domingo, 13 de agosto de 2017

Por que o nazismo era de direita

Neonazistas em Charlottesville, EUA

Por Bertone Sousa
A confusão que se faz em relação ao nazismo e aos conceitos de direita e esquerda ainda produz muita desinformação na internet. Recentemente, um importante site de notícias veiculou uma matéria questionando se o nazismo era de esquerda ou direita. Entre os vários especialistas entrevistados não houve consenso sobre o assunto, embora ninguém tenha apontado o regime como “de esquerda”. A falta de consenso se deveu ao fato de uma professora explicar o nazismo como “terceira via”, uma alternativa ao socialismo e ao liberalismo. Isso é verdade, mas é preciso dar nome aos bois: nos anos 1920 e 1930 o que se pode chamar de terceira via era a extrema-direita.
Embora eu já tenha publicado em blog e numa revista acadêmica um artigo de cerca de vinte páginas sobre o tema, vou sumariar neste texto as razões pelas quais o nazismo era uma ideologia de direita:
Não faz sentido definir esquerda e direita pela intervenção do Estado na economia, como costumam fazer aqueles que jogam o nazismo para a esquerda. Esquerda e direita não se definem pelo tamanho do Estado, mas por suas posições sobre as hierarquias sociais e a desigualdade.
A esquerda historicamente luta pela igualdade, a universalização de direitos, a inclusão social e contra hierarquias baseadas em privilégios de nascimento ou do dinheiro.
A direita se define por sua posição a favor das hierarquias; ela é conservadora e não quer mudanças radicais que alterem a ordem social. O nazismo se enquadra aqui porque o nazismo surgiu para manter hierarquias sociais, os privilégios da plutocracia econômica e contra as minorias.
Frente à derrocada do capitalismo liberal após a crise de 1929, o nazismo veio com o capitalismo de Estado para fazer frente ao socialismo soviético e preservar a propriedade privada. O termo “capitalismo de Estado” foi criado para definir essa experiência, ou seja, uma economia regida por um Estado totalitário associado a grupos de empresários e industriais e com imposição de forte disciplina militar sobre as massas.
O partido de Hitler se chamava “Partido nacional-socialista dos trabalhadores alemães”, mas é importante observar que o “nacional-“ vem antes de “socialista” porque é o termo que define a ideologia nazista, ou seja, seu princípio norteador vem do nacionalismo, da crença na superioridade da raça germânica e da necessidade da conquista do espaço vital.
Hitler planejava, após a Segunda Guerra, transformar os povos eslavos do leste europeu em colônias de escravos da Alemanha; eles forneceriam a mão de obra e o trabalho que perpetuariam a grandeza alemã. Por outro lado, o nacionalismo tem raízes conservadoras, apela à tradição, a Deus e ao passado para restaurar ou manter uma ordem social. Com isso, o nacionalismo rejeita os valores da esquerda de universalização de direitos e igualdade.
Paralelamente a isso, o nazismo está relacionado às teorias raciais do século 19, ou seja, foi uma ideologia que exacerbou o darwinismo social e a ênfase no imperialismo, de onde provinha a noção de “comunidade nacional” pensada para exterminar o elemento judeu e marxista (Hitler chamava de “marxista” praticamente toda a esquerda política). O desenvolvimento da Biologia forneceu a fundamentação para as teorias voltadas para a definição de raças melhores ou superiores e o antissemitismo também se tornou um sentimento cada vez mais cultivado até entre intelectuais entusiastas dessas teorias.
Hitler não inventou a noção de uma oposição cruenta entre arianos e judeus, ele aprendeu isso com Houston Stewart Chamberlain. Em Mein Kampf, Hitler sempre enfatiza o racismo como base de seu pensamento.
A propaganda era o carro-chefe do nazismo para obter apoio das massas. Hitler deixou claro em Mein Kampf que era necessário confundir os adversários, copiando suas estratégias de luta ideológica e de ação. O período entre-guerras é conhecido como a era das massas. A ascensão das ideologias coletivistas e do rádio como meio de comunicação deram o tom a uma época marcada pelo extremismo. Nesse sentido, usar a cor vermelha e até o nome socialismo como forma de atrair o apoio das massas fazia parte da estratégia adotada por Hitler em sua escalada ao poder.
Nazismo e socialismo não podem ser nivelados pela quantidade de vítimas que fizeram, mas por seus objetivos finais: enquanto o extermínio das “raças inferiores” era o objetivo último do nazismo, a sociedade sem classes e sem hierarquias de qualquer teor (racial, econômica, nacional, etc.) era o fim último do socialismo. Hitler e seus seguidores tinham aversão por todos os movimentos de esquerda. Ainda em 1930, mais de vinte militantes socialistas abandonaram o Partido Nazista quando perceberam que os ideais do socialismo não tinham lugar ali.
O nazismo era uma ideologia voltada para a exclusão, a perseguição e o extermínio; representou a negação mais radical dos valores do Iluminismo (do qual o marxismo e as esquerdas são herdeiros) e nada poderia estar mais à direita do que isso.
Para o leitor que quiser uma leitura mais aprofundada, com referências teóricas e discussão historiográfica, recomendo meu artigo Nazismo, socialismo e as políticas de esquerda e direita na primeira metade do século XX, publicado na Revista Brasileira de História & Ciências sociais.

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