domingo, 29 de novembro de 2015

Carta Aberta a FHC que merece ir para os livros de história



fhc carta aberta theotonio santos
Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil. Foto: divulgação
Segue uma Carta Aberta de 



Theotonio dos Santos, economista, cientista político e um dos formulado-
res da Teoria da Dependência. Hoje é um dos principais expoentes da
Teoria do Sistema Mundo. Mestre em Ciência Política pela UnB e doutor
“notório saber” pela UFMG e pela UFF. Coordenador da cátedra e rede
UNU-UNESCO de Economia Global e Desenvolvimento sustentável – 
REGGEN.
Meu caro Fernando,
Vejo-me na obrigação de responder a carta aberta que você dirigiu ao
Lula, em nome de uma velha polêmica que você e o José Serra inicia-
ram em 1978 contra o Rui Mauro Marini, eu, André Gunder Frank e Vâ-
nia Bambirra, rompendo com um esforço teórico comum que iniciamos
no Chile na segunda metade dos nos 1960.
A discussão agora não é entre os cientistas sociais e sim a partir de uma
experiência política que reflete contudo este debate teórico. Esta carta 
assinada por você como ex-presidente é uma defesa muito frágil teórica
e politicamente de sua gestão. Quem a lê não pode compreender porque
você saiu do governo com 23% de aprovação enquanto Lula deixa o seu
governo com 96% de aprovação.Já discutimos em várias oportunidades
os mitos que se criaram em torno dos chamados êxitos do seu governo.
Já no seu governo vários estudiosos discutimos, o inevitável caminho de
seu fracasso junto à maioria da população.

Pois as premissas teóricas em que baseava sua ação política eram profun-
damente equivocadas e contraditórias com os interesses da maioria da po-
pulação. (Se os leitores têm interesse de conhecer o debate sobre estas ba-
ses teóricas lhe recomendo meu livro já esgotado: Teoria da Dependência:
Balanço e Perspectivas, Editora Civilização Brasileira, Rio, 2000). Contudo
nesta oportunidade me cabe concentrar-me nos mitos criados em torno do
seu governo, os quais você repete exaustivamente nesta carta aberta.O pri-
meiro mito é de que seu governo foi um êxito econômico a partir do fortaleci-
mento do real e que o governo Lula estaria apoiado neste êxito alcançando
assim resultados positivos que não quer compartilhar com você… Em primei-
ro lugar vamos desmitificar a afirmação de que foi o plano real que acabou 
com a inflação.
Os dados mostram que até 1993 a economia mundial vivia uma hiperinflação
na qual todas as economias apresentavam inflações superiores a 10%. A par-
tir de 1994, TODAS AS ECONOMIAS DO MUNDO APRESENTARAM UMA 
QUEDA DA INFLAÇÃO PARA MENOS DE 10%. Claro que em cada pais apa-
receram os “gênios” locais que se apresentaram como os autores desta queda.
Mas isto é falso: tratava-se de um movimento planetário. No caso brasileiro, a 
nossa inflação girou, durante todo seu governo, próxima dos 10% mais altos.
TIVEMOS NO SEU GOVERNO UMA DAS MAIS ALTAS INFLAÇÕES DO MUN-
DO. E aqui chegamos no outro mito incrível. Segundo você e seus seguidores 
(e até setores de oposição ao seu governo que acreditam neste mito) sua polí-
tica econômica assegurou a transformação do real numa moeda forte. Ora Fer-
nando, sejamos cordatos: chamar uma moeda que começou em 1994 valendo 
0,85 centavos por dólar e mantendo um valor falso até 1998, quando o próprio 
FMI exigia uma desvalorização de pelo menos uns 40% e o seu ministro da eco-
nomia recusou-se a realizá-la “pelo menos até as eleições”, indicando assim a 
época em que esta desvalorização viria e quando os capitais estrangeiros deve-
riam sair do país antes de sua desvalorização, O fato é que quando você flexibi-
lizou o cambio o real se desvalorizou chegando até a 4,00 reais por dólar. E não
venha por a culpa da “ameaça petista” pois esta desvalorização ocorreu muito 
antes da “ameaça Lula”.
ORA, UMA MOEDA QUE SE DESVALORIZA 4 VEZES EM 8 ANOS PODE SER
CONSIDERADA UMA MOEDA FORTE? Em que manual de economia? Que eco-
nomista respeitável sustenta esta tese? Conclusões: O plano Real não derrubou 
a inflação e sim uma deflação mundial que fez cair as inflações no mundo inteiro.
A inflação brasileira continuou sendo uma das maiores do mundo durante o seu 
governo. O real foi uma moeda drasticamente debilitada. Isto é evidente: quando
nossa inflação esteve acima da inflação mundial por vários anos, nossa moeda 
tinha que ser altamente desvalorizada. De maneira suicida ela foi mantida artifici-
almente com um alto valor que levou à crise brutal de 1999.
Segundo mito – Segundo você, o seu governo foi um exemplo de rigor fiscal.Meu
Deus: um governo que elevou a dívida pública do Brasil de uns 60 bilhões de reais
em 1994 para mais de 850 bilhões de dólares quando entregou o governo ao Lula,
oito anos depois, é um exemplo de rigor fiscal? Gostaria de saber que economista
poderia sustentar esta tese. Isto é um dos casos mais sérios de irresponsabilidade
fiscal em toda a história da humanidade.
E não adianta atribuir este endividamento colossal aos chamados “esqueletos” das
dívidas dos estados, como o fez seu ministro de economia burlando a boa fé daque-
les que preferiam não enfrentar a triste realidade de seu governo. Um governo que
chegou a pagar 50% ao ano de juros por seus títulos para, em seguida, depositar os
investimentos vindos do exterior em moeda forte a juros nominais de 3 a 4%, não po-
de fugir do fato de que criou uma dívida colossal só para atrair capitais do exterior 
para cobrir os déficits comerciais colossais gerados por uma moeda sobrevalorizada
que impedia a exportação, agravada ainda mais pelos juros absurdos que pagava pa-
ra cobrir o déficit que gerava.
Este nível de irresponsabilidade cambial se transforma em irresponsabilidade fiscal 
que o povo brasileiro pagou sob a forma de uma queda da renda de cada brasileiro 
pobre. Nem falar da brutal concentração de renda que esta política agravou drastica-
mente neste pais da maior concentração de renda no mundo. Vergonha, Fernando. 
Muita vergonha. Baixa a cabeça e entenda porque nem seus companheiros de partido
querem se identificar com o seu governo…te obrigando a sair sozinho nesta tarefa in-
sana.
Terceiro mito – Segundo você, o Brasil tinha dificuldade de pagar sua dívida externa 
por causa da ameaça de um caos econômico que se esperava do governo Lula. Fer-
nando, não brinca com a compreensão das pessoas. Em 1999 o Brasil tinha chegado
à drástica situação de ter perdido TODAS AS SUAS DIVISAS. Você teve que pedir 
ajuda ao seu amigo Clinton que colocou à sua disposição os 20 bilhões de dólares do
tesouro dos Estados Unidos e mais uns 25 BILHÕES DE DÓLARES DO FMI, Banco 
Mundial e BID.
Tudo isto sem nenhuma garantia. Esperava-se aumentar as exportações do pais para
gerar divisas para pagar esta dívida. O fracasso do setor exportador brasileiro mesmo
com a espetacular desvalorização do real não permitiu juntar nenhum recurso em dólar
para pagar a dívida. Não tem nada a ver com a ameaça de Lula. A ameaça de Lula exis-
tiu exatamente em consequência deste fracasso colossal de sua política macroeconô-
mica. Sua política externa submissa aos interesses norte-americanos, apesar de algu-
mas declarações críticas, ligava nossas exportações a uma economia decadente e um
mercado já copado. A recusa dos seus neoliberais de promover uma política industrial
na qual o Estado apoiava e orientava nossas exportações.
A loucura do endividamento interno colossal. A impossibilidade de realizar inversões pú-
blicas apesar dos enormes recursos obtidos com a venda de uns 100 bilhões de dólares
de empresas brasileiras. Os juros mais altos do mundo que inviabilizava e ainda inviabili-
za a competitividade de qualquer empresa. Enfim, UM FRACASSO ECONOMICO RO-
TUNDO que se traduzia nos mais altos índices de risco do mundo, mesmo tratando-se 
de avaliadoras amigas. Uma dívida sem dinheiro para pagar… Fernando, o Lula não era
ameaça de caos. Você era o caos. E o povo brasileiro correu tranquilamente o risco de 
eleger um torneiro mecânico e um partido de agitadores, segundo a avaliação de vocês,
do que continuar a aventura econômica que você e seu partido criou para este país.
Gostaria de destacar a qualidade do seu governo em algum campo mas não posso fazê-
-lo nem no campo cultural para o qual foi chamado o nosso querido Francisco Weffort 
(neste então secretário geral do PT) e não criou um só museu, uma só campanha signifi-
cativa. Que vergonha foi a comemoração dos 500 anos da “descoberta do Brasil”. E no 
plano educacional onde você não criou uma só universidade e entrou em choque com a
maioria dos professores universitários sucateados em seus salários e em seu prestígio 
profissional.
Não Fernando, não posso reconhecer nada que não pudesse ser feito por um medíocre
presidente.Lamento muito o destino do Serra. Se ele não ganhar esta eleição vai ficar 
sem mandato, mas esta é a política. Vocês vão ter que revisar profundamente esta ten-
tativa de encerrar a Era Vargas com a qual se identifica tão fortemente nosso povo. E te-
rão que pensar que o capitalismo dependente que São Paulo construiu não é o que o po-
vo brasileiro quer. E por mais que vocês tenham alcançado o domínio da imprensa brasi-
leira, devido suas alianças internacionais e nacionais, está claro que isto não poderia as-
segurar ao PSDB um governo querido pelo nosso povo. Vocês vão ficar na nossa história
com um episódio de reação contra o verdadeiro progresso que Dilma nos promete aprofun-
dar. Ela nos disse que a luta contra a desigualdade é o verdadeiro fundamento de uma po-
lítica progressista.
E dessa política vocês estão fora. Apesar de tudo isto, me dá pena colocar em choque tão
radical uma velha amizade. Apesar deste caminho tão equivocado, eu ainda gosto de vocês
( e tenho a melhor recordação de Ruth) mas quero vocês longe do poder no Brasil. Como 
a grande maioria do povo brasileiro. Poderemos bater um papo inocente em algum congres-
so internacional se é que vocês algum dia voltarão a frequentar este mundo dos intelectuais
afastados das lides do poder.
Com a melhor disposição possível, mas com amor à verdade, me despeço.
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/09/carta-aberta-fhc-theotonio-santos-historia.html

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