quarta-feira, 3 de junho de 2015

PSOL USA E ABUSA DA RETÓRICA FASCISTA


VLADIMIR-SAFATLE-FILOSOFO-BR
Um fantasma ronda a esquerda: uma forma autoritária de pensar
por Antônio David
Não é de hoje que a esquerda brasileira vive às voltas com impasses. Por isso, de-
veríamos no mínimo fazer o esforço de tentar olhar para trás de maneira honesta e
generosa, se quisermos entender os impasses em torno do “lulismo”  e  enfrentá-lo
da melhor forma. Mas nem isso conseguimos.
Em seus mais recentes artigos, O que podemos?  e Frente de esquerda para quê?,
Vladimir Safatle insiste na tese de que os impasses da atual conjuntura  reduzem-se
à “falta de coragem” – uma maneira nova de dizer o velho bordão “falta  de  vontade
política”.
Segundo Safatle, enquanto a esquerda brasileira “não tem mais nada a  oferecer  de
realmente novo e diferente do que vimos”, os espanhóis “não temeram procurar rein-
ventar a força da política através de uma confiança renovada no povo”.
Safatle argumenta: “Se a esquerda quiser ter alguma razão de existência (pois é disso
que se trata),ela deve começar por fazer uma rejeição clara do modelo que foi aplicado
no Brasil na última década, seja no campo político, seja no campo econômico.O modelo
lulista não chegou a seu esgotamento por questões exteriores, pressão da mídia ou ina-
bilidades de negociação da senhora Dilma. Ele se esgotou por suas contradições inter-
nas e quem o criou não é capaz de criar nada de distinto do que foi feito”.
Atente-se bem para os termos empregados: “realmente novo e diferente”, “rejeição cla-
ra”. As palavras são fortes e contundentes. Todavia, por trás dessa aparente assertivi-
dade, há algo de lacunar no discurso de Safatle. A verdade, como sabemos,  aparece
melhor nos silêncios do discurso. Vejamos.
Tendo criticado a evocação de Lula por uma Frente de Esquerda, Safatle conflui: “não
é a falta de direção que acomete a esquerda brasileira. É a falta de coragem”.
Afinal, de quem exatamente Safatle está falando? Do PT ou da esquerda no seu conjun-
to? No caso, a “esquerda brasileira” da qual fala Safatle envolve toda a esquerda – inclu-
so a esquerda à esquerda do PT, incluso seu próprio partido, o PSOL?
À primeira vista, a pergunta parece conduzir à velha e inútil cultura da picuinha. Porém,
abaixo da superfície, há uma questão de fundo.
Se, como sustenta Safatle, o lulismo “se esgotou por suas contradições internas e quem
o criou não é capaz de criar nada de distinto do que foi feito”, cabe indagar: quem o criou?
Safatle não diz. Não é por acaso.
Ao contrário do que Safatle sugere – sem, no entanto, dizer -, a estratégia do lulismo – pois
é de uma estratégia que se trata – não foi criada pela mente (genial ou doentia) dessa ou
daquela pessoa, desse ou daquele grupo, mas pelo confronto no interior do PT ao longo da
década de 1990. Formulada no curso dessa década como resposta à derrota de 1989, es-
sa estratégia é a síntese da luta interna travada no interior do PT.
Vistas as coisas sob essa ótica, é necessário reconhecer, se quisermos de fato enfrentar
os impasses do lulismo, que se a estratégia do lulismo guarda limites, deméritos, vícios, a
esquerda brasileira no seu conjunto – no que se incluem as correntes que deram origem 
ao PSOL – é tão responsável pela estratégia do lulismo quanto àquelas que se mantive-
ram no PT.
Claro que essas correntes recusarão esse ponto de vista. Afinal, elas se opuseram à estra-
tégiaComo podem então ser responsáveis? Tal como tratei longamente em outro artigo,
na estratégia do lulismo está inscrita a incapacidade de as correntes que a ela se opuseram,
seja enquanto estavam no PT, seja depois que saíram, de oferecer uma alternativa.
Na ausência de alternativas, na recusa a discutir o que de fato merece ser discutido – estraté-
gia –, tudo se resume a apontar os culpados. Para tanto, forjou-se uma narrativa: o campo 
majoritário fez filiações em massa; os congressos foram fraudados; a maioria esmagou a mi-
noriaSem dúvida, é mais cômodo olhar os acontecimentos históricos sob essa ótica.
No entanto, se nos perguntarmos a quem o discurso de Safatle é dirigido e com vistas a quê
esse discurso é produzido, será que essa ótica ainda se sustenta?
Ao defender a tese de que o problema se resume a “falta de coragem”, Safatle está como
que dando um recado. É como se estivesse dizendo: “Não percam tempo em discutir estraté-
gia. Isso é pretexto. Quem discute estratégia quer no fundo desviar a atenção da questão cen-
tral: ter ou não ter coragem”.
Se o que Safatle diz é verdade, livros como Os Sentidos do Lulismo, de André Singer, não têm
valor algum. No fundo, trata-se de um grande blá-blá-blá que apenas desvia o leitor da questão
central: ter medo ou ter coragem.
Não admira que, para Safatle, correlação de forças mereça aspas. (Claro que, se questionar-
mos Safatle das razões pelas quais seu partido não logra realizar o sonho do triunfo eleitoral,
para o qual declaradamente nasceu, imediatamente será evocada a correlação de forças des-
favorável: não fosse a desigualdade do financiamento de campanha e do tempo de TV, tudo 
seria diferente).
Faço a ressalva: Safatle tem razão em parte. Todos sabemos haver fanáticos entre os que de-
fendem o governo Dilma e o PT, para os quais a estratégia do lulismo é inquestionável.
De fato, estes usam e abusam da expressão correlação de forças. Para estes, nada é possível
por conta da correlação de forças. Todavia, note-se bem que, ao recusar colocar a expressão
no seu devido lugar – isto é, no interior de um debate sério sobre estratégia -, o que estes faná-
ticos fazem não é outra coisa senão… recusar discutir estratégia. No fundo, e ironicamente, a
atitude dos defensores fanáticos do governo Dilma e de Safatle é exatamente a mesma.Ambas
as abordagens apenas atestam a incapacidade de parte da esquerda de oferecer alternativas à
estratégia do lulismo.
Qual é o segredo desse discurso?
Ao analisar o discurso do movimento integralista nos anos 1920 e 1930, Marilena Chaui cons-
tatou que se tratava de um discurso que trabalha com pontos fixos, ou seja, como verdades
tomadas de antemão, sobre as quais o pensamento não se debruça. Com isso, o discurso
integralista “não só permite economizar a reflexão acerca dos processos históricos, mas per-
mite sobretudo assegurar ao destinatário um suposto conhecimento” prévio da realidade,com
base na reafirmação e repetição de preceitos tomados de antemão, de modo que o discurso
tenha “força persuasiva e até mesmo constrangedora”.
Chaui nota que o aspecto político dessa operação reside exatamente na exclusão da reflexão:
“Unido e disperso, a imagem, espelho dos dados imediatos, exclui a reflexão e, simultanea-
mente, cria a ilusão de conhecimento, graças ao seu aspecto ordenador”.Trata-se, em suma,
de umforma autoritária de pensar.
Ao trabalhar com pontos fixos, tomados como verdades de antemão – “realmente novo e dife-
rente”, “rejeição clara”, “falta de coragem” –, o discurso de Safatle cumpre exatamente esse
papel: bloquear a reflexão. Como explicar que um discurso que se pretende mobilizador do
pensamento realize-se como bloqueio à reflexão?
A pergunta deveria ser: a quem, afinal, o discurso de Safatle é dirigido?
O discurso é dirigido à militância e aos simpatizantes do PSOL. Cumpre a função de coesio-
nar essa militância. Assim como o discurso integralista, o discurso de Safatle “não só permite
economizar a reflexão acerca dos processos históricos, mas permite sobretudo assegurar ao
destinatário um suposto conhecimento” prévio da realidade, com base na reafirmação e repe-
tição de preceitos tomados de antemão, de modo que o discurso tenha “força persuasiva e até
mesmo constrangedora”.
Não tenho dúvida de que se trata de um discurso bem-sucedido e até mesmo útil em face do
propósito de formar um exército de soldados – aliás, todos devidamente uniformizados. Os 
militantes e simpatizantes do PSOL ficarão felizes lendo os artigos de Safatle. Sentirão alívio.
Terão a consciência apaziguada. Não terão de enfrentar o fantasma da crise interna que se
abriria com a reflexão. Eles sabem que a estratégia do lulismo é um fracasso – aliás, sempre
foi – e que a sua estratégia é a verdadeira, ainda que ela não possa ser exposta. E por que
precisaria? Sua verdade é autoevidente, tão autoevidente que toda tentativa de reflexão so-
bre a estratégia não passa de pretexto e serve apenas para esconder o medo de fazer o que
deve ser feito. Enfim, não há o que discutir: a culpa é dos outros, da sua “falta de coragem”.
Nós estamos certos.
Estranho falar em reflexão quando nós da esquerda continuarmos a aceitar estruturas dirigis-
tashierárquicas, hegemonistas e centralizadas.
http://www.viomundo.com.br/politica/antonio-david-discurso-de-vladimir-safatle-bloqueia-a-reflexao.html

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