domingo, 17 de maio de 2015

Mad Max: Fury Road ou o retorno dos verdadeiros bárbaros


Por Fábio de Oliveira Ribeiro
A barbárie ocupa um papel central no imaginário do que chamo “civilização branca dos olhos claros” (anglo-americana-australiana). Os outros povos, que tem a pele escura, morena, avermelhada e amarela, cujos olhos são predominantemente negros, marrons e apertados são objeto de discriminação aberta ou velada pelos donos do império que pretende definir as linhas militares de tensão pós-Guerra Fria, a divisão econômica do mundo e a forma como este mesmo mundo deve ser visto em obras cinematográficas que criam e opõe uma versão convencional do “nós” à imagem distorcida e depreciada dos “outros”, os bárbaros.
O cinema norte-americano em especial nasceu e cresceu produzindo exclusões simbólicas. Os índios, inimigos internos da “civilização branca dos olhos claros”, foram os primeiros bárbaros imortalizados em centenas de filmes. Malvados por natureza, os índios sempre preferiam morrer em seus cavalos a dar passagem para os pobres colonizadores que queriam suas terras. Os negros não tiveram sorte muito melhor. Quando não eram serviçais dóceis nas casas grandes cênicas, os negros eram rebeldes violentos ou pérfidos estupradores que perseguiam mulheres brancas ingênuas e indefesas. Impossível esquecer que eles dançam para King Kong e oferecem à fera gigantesca uma mulher branca.
Um terceiro grupo tradicionalmente excluído pelos filmes “made in USA” são os eternamente desagradáveis, sujos e irracionais mexicanos, cujas vidas inúteis são as vezes defendidas pelos membros da   “civilização branca dos olhos claros”. O quarto grupo demonizado por Hollywood foram os asiáticos: japoneses, coreanos, chineses e vietnamitas, foram durante décadas retratados como “gooks”, cuja morte era um imperativo categórico das guerras cinematográficas inspiradas em guerras reais bem menos heróicas.  Eternos excluídos simbólicos, alguns negros, mexicanos, asiáticos e  índios norte-americanizados acabaram sendo economicamente incluídos em razão de se tornarem figurantes e atores da própria desgraça.
Após a II Guerra Mundial, durante a Guerra Fria e até os dias de hoje, um outro grupo de excluídos simbólicos ajudou a construir a história do cinema norte-americano. Estou obviamente me referindo aos alemães e russos. Eles também são brancos de olhos claros, mas não podem pertencer à “civilização branca dos olhos claros” porque são racistas e marxistas. Eles encarnam algo que é tratado como um mal secular ou como um mal mais profundo, um do qual os norte-americanos, ingleses e australianos estão livres.
A imagem que a “civilização branca dos olhos claros” faz de si mesmo e espalha pelo mundo é diametralmente oposta à História e raramente é pautada por fatos. Impossível esquecer que o racismo científico nasceu na Inglaterra (Henry Thomas Buckle) e que os ingleses praticaram atrocidades terríveis em suas colônicas. A primeira Lei prescrevendo a esterilização compulsória de doentes mentais aprovada pela Alemanha nazista foi inspirada numa Lei que já estava em vigor nos EUA. Não é segredo que a Austrália tem uma dolorosa dívida com os nativos que foram escravizados e tiveram seus filhos roubados por colonos brancos. 
Os homens da “civilização branca dos olhos claros” raramente são retratados como bárbaros. Quando isto ocorre, eles geralmente foram revertidos à barbárie após o apocalipse ou depois de uma guerra nuclear ou de uma zumbítica peste. Por isto, filmes como "Mad Max: Fury Road" sempre atraem minha atenção. Neles é possível ver norte-americanos, ingleses e australianos representando o que eles realmente são.  A inevitabilidade política ou econômica de uma guerra nuclear ou o fim do mundo por imposição teológica tal como retratado na Bíblia (que os protestantes ingleses, norte-americanos e australianos acreditam ser uma descrição literal do passado e do futuro) fornece inspiração para este tipo de filme.
No imaginário dos engenheiros sociais e simbólicos da “civilização branca dos olhos claros” o fim do mundo é uma realidade inexorável. O mundo deles e o nosso vai acabar, quer porque os chineses, russos e latino-americanos não aceitam intromissões dentro de suas fronteiras, quer porque os “outros” povos competem por recursos escassos com os norte-americanos, ingleses e australianos. 
A barbárie parece ser o único estado em que os povos de língua inglesa conseguem ser felizes. O conflito armado não é para eles algo que pode ser evitado através da diplomacia. No estágio atual de desenvolvimento, aliás, norte-americanos, ingleses e australiamos vivem permanentemente em guerra e nem se dão ao trabalho de pedir autorização para a ONU para bombardear países soberanos. A própria ONU se tornou tão irrelevante que o governo Bush Jr. mentiu descaradamente no Conselho de Segurança da mesma para obter autorização para atacar o Iraque.
Civilização significa pluralismo cultural e tolerância religiosa. Nada disto se pode ser encontrado na história da Inglaterra, dos EUA e da Austrália.
Os filmes que tratam de uma regressão ao barbarismo são, na verdade, sintomas de uma doença que acomete os povos de língua inglesa. Os antepassados de muitos deles eram bárbaros que viviam além da Muralha de Adriano ou que reverteram à barbárie quando os romanos deixaram a Bretanha. Eles sonham em regressar ao estado de barbárie apenas porque são incapazes de admitir a verdade: sob o verniz de civilidade, sob as imensas camadas de riquezas materiais que eles amontoaram em suas cidades e mansões em razão de guerras externas, eles continuam sendo apenas bárbaros. Bárbaros que falam uma língua quase sem gramática e que é tão barulhenta quanto o rangido das armas mecanizadas que eles aperfeiçoaram para continuar fazendo o que os antepassados deles faziam num passado distante.
O barbarismo dos povos de língua inglesa é tão grande que eles conseguiram uma coisa fantástica. Eles transformaram uma religião que se notabilizou pela passividade e pelo respeito a vida no estandarte de guerra que seus exércitos sempre empunharam e que atualmente pretendem empunhar na Ucrania.
"Mad Max: Fury Road" é um filme bastante eloquente. Uma excelente representação do que foram, do que são e do que sempre serão os norte-americanos, britânicos e australianos. Imperdível, mas não pelas razões divulgadas pela grande imprensa.
http://www.jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/mad-max-fury-road-ou-o-retorno-dos-verdadeiros-barbaros

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