terça-feira, 9 de outubro de 2012

Que país é este?





Via CartaCapital


Paulo Lacerda. E ele disse: “Se abrirem o disco rígido, acaba a República”. Foto: Marcello Casal Jr/ABr

MinoCarta

Cena de um filme de Mario Monicelli, Os Companheiros. Estamos na ­penúltima ­década do século XIX e Marcello Mastroianni, agitador subversivo, chega de trem a Turim. Às portas da cidade, o comboio é bloqueado por uma multidão de operários, homens, mulheres e crianças. Em greve, ali estão para impedir a ­chegada de uma leva de colegas chamados de outra região pelos industriais turineses para substituir os grevistas. Do alto, Mastroianni pergunta a um dos líderes da parede: “Que país é este?” Responde um inesquecível Folco Lulli em meio à cerração que sai da tela e invade a plateia: “Um país de m…!”

O Brasil não é a Turim do fim de 1800, mesmo porque aqueles operários, menores inclusive, estão em greve para conseguir reduzir os horários de trabalho para 12 horas. Tampouco sou um agitador subversivo, embora muitos como tal me enxergassem em tempos idos e alguns me enxerguem até hoje. Ainda assim, encaro o Brasil de hoje e pergunto: “Que país é este?”

As perguntas apinham-se entre o fígado e a alma, a partir dos eventos contingentes. Por que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pode permitir-se esperar impunemente que o julgamento do chamado “mensalão” influa nos resultados das iminentes eleições? E por que vários ministros do Supremo, mesmo aqueles nomeados por Lula e Dilma Rousseff, esforçam-se com transparente denodo para apressar o processo? E por que não cuidam, enquanto o ciciar de ­suas togas enche a Praça dos Três Poderes, de moralizar o funcionamento do próprio STF, onde não falta quem transgrida leis e regras determinadas para a correta atuação do tribunal?

CartaCapital sempre sustentou a impossibilidade de se provar o “mensalão” no sentido de mesada, embora observasse na origem do julgamento crimes igualmente graves. Que se faça justiça é o que desejamos. Donde: por que nem sempre, e até de raro, os senhores ministros provem estar à altura da tarefa, súcubos das pressões da mídia do pensamento único?

E o presente reflui com naturalidade para o passado. Por que o mensalão petista vai ao tribunal antes daqueles tucanos que o precederam? E por que Daniel Dantas, que esteve por trás de todos, não está no banco dos réus? Por que as operações policiais que desnudaram seus crimes adernaram miseravelmente? Por que o disco rígido do Opportunity, sequestrado pela Polícia Federal durante a Operação Chacal e entregue ao STF, nunca foi aberto? No fim de 2005 dirigi esta pergunta ao então diretor da PF, Paulo Lacerda, na presença de Luiz Gonzaga Belluzzo e Sergio Lirio. O delegado, anos depois desterrado para Portugal, respondeu: “Se abrirem, a República acaba”.

Por que Dantas dispõe de tamanho poder, a ponto de receber as atenções e os serviços profissionais de Márcio Thomaz Bastos, inclusive quando ministro da Justiça, e o apoio de José Eduardo Cardozo, atual ministro da Justiça, desde seu tempo de deputado federal? E por que não duvidar da Justiça, no Brasil, sempre inclinada, como se sabe, a condenar os pobres em lugar dos ricos? E por que quem tentou enfrentar Dantas, o honrado ministro Luiz Gushiken, felizmente absolvido pelo processo do mensalão, pagou caro por sua ousadia?

Observam meus perplexos botões como às vezes caiba questionar o poder do próprio governo ao vê-lo forçado a compromissos e concessões. Por que de quando em quando, mas como o pano de fundo de uma ameaça constante, surge a forte impressão de que uma espécie de quinta coluna agita-se dentro de suas fronteiras, formada à sombra de seus aliados e mesmo dentro do PT? E por que o governo não hesita em favores e consistente apoio financeiro à mídia que, compacta, o denigre diuturnamente? E por que tantos governistas não escondem seu deleite ao se olharem no vídeo da Globo ou nas páginas amarelas de Veja?

Casa-grande e senzala ainda estão de pé: receio que nesta presença assente a resposta aos intermináveis porquês. Não tenho dúvidas de que tanto uma quanto outra ainda serão demolidas, e admito que já sofreram alguns sérios abalos nos alicerces. Gostaria de assistir à destruição definitiva, o adiantado da idade, contudo, me impede de arriscar esperanças exageradas.

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