quarta-feira, 13 de julho de 2011

O MITO DA CAVERNA (conforme em A República de Platão)

O gênero acadêmico clássico é ilustrado com o texto ‘O Mito da Caverna’, em
A República, de Platão. 

“Sócrates:   Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza
relativamente à instrução e á ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em
forma de caverna com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de
pernas e pescoço acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está
diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma
fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás  deles; entre o fogo e os prisioneiros
passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo  dessa estrada está construído um
pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si
e por cima das quais exibem as suas maravilhas. 
Glauco:   Estou vendo. 
Sócrates:    Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens  que
transportam objetos de toda espécie, que o transpõe:   estatuetas de homens e animais, de
pedra, de madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores uns
falam e outros seguem em silêncio. 
Glauco:   Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.  75
Sócrates:  Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal
condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e dos seus companheiros, mais do
que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte?
Glauco:   Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?
Sócrates:   E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?
Glauco:   Sem dúvida. 
Sócrates:   Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não acham
que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?
Glauco:   É bem possível. 
Sócrates:   E se a parede do fundo da prisão provocasse eco, sempre que um
dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?
Glauco:   Sim, por Zeus!
Sócrates:    Dessa forma, tais homens não atribuirão senão às sombras dos
objetos fabricados. 
Glauco:   Assim terá de ser. 
Sócrates:    Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem
libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses
prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a
caminhar, a erguer os olhos para a luz:   ao fazer  todos esses movimentos sofrerá, e o
deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que
achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas
que agora mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza?
Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, 76
a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e  que as sombras que via outrora lhes
parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?
Glauco:   Muito mais verdadeiras. 
Sócrates:   E se forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados?
Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são
realmente mais distintas dos que as que se lhe mostram?
Glauco:   Com toda certeza. 
Sócrates:    E se o arrancarem a força da sua caverna, o obrigarem a subir a
encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não
sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz,
poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora
determinamos verdadeiras?
Glauco:   Não o conseguirá, pelo menos de início. 
Sócrates:   Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região
superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos
homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos.
Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da lua, contemplar mais
facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia o Sol e
a sua luz. 
Glauco:   Sem dúvida. 
Sócrates: Por fim, suponho eu, será o Sol, e não as sua imagens refletidas nas
águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá
ver e contemplar tal como é.  77
Glauco:   Necessariamente. 
Sócrates:   Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as
estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que de certa maneira, é a causa de
tudo que ele via com seus companheiros, na caverna. 
Glauco:   É evidente que chegará a essa conclusão. 
Sócrates:    Ora, lembrando da sua primeira morada, da sabedoria que aí se
professa e daqueles que aí foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará
com a mudança e lamentará os que lá ficaram?
Glauco:   Sim, com certeza, Sócrates. 
Sócrates: E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas
para aquele que aparecesse, como olhar mais vivo da passagem das sombras, que melhor se
recordasse, das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e
que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a sua inveja
daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de
Homero, não proferirá mil vezes ser um simples criado de charrua, a serviço de um pobre
lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?
Glauco:   Sou da tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira. 
Sócrates: Imagina ainda que esse homem volta a caverna e vai sentar-se no seu
antigo lugar:   não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz
do Sol?
Glauco:   Por certo que sim. 
Sócrates: E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que
não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista
confusa e antes que seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá 78
um tempo bastante longo, não fará que os outros se riem a sua custa e digam que, tendo ido
lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se
alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?
Glauco:   Sem nenhuma dúvida. 
Sócrates:  Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar ponto por ponto, esta
imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na
caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força  do Sol. Quanto à subida à região
superior e a contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma para
a mansão inteligível, não te enganarás quanto a minha idéia, visto que também tu desejas
conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, na minha opinião é esta:   no
mundo inteligível, a idéia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não
se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em
todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a  luz e o soberano da luz; no mundo
inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para
se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública”.

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BIBLIOGRAFIA:
-CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo:   Ática, 2004. 
-GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia:    romance da história da Filosofia.  São Paulo:  
Companhia das Letras, 1996. 
-PLATÃO. A República. Coleção:   Os Pensadores. São Paulo:   Nova Cultural Ltda, 1997.
-POSSAMAI, Darlei. Filosofia no Ensino Médio: O Genero Historia em quadrinhos numa perpectiva de letramento, Tubarão - SC, 2006.

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